Homem calmo, de muita fé, Marcos Mariano da Silva era um brasileiro de vida simples. Na última terça-feira (22), quando morreu aos 63 anos de idade, encerrou uma história dramática marcada pela injustiça e por um sofrimento que comoveu o país. Ele passou 19 anos preso por um crime que não cometeu. E o mais grave: jamais teve direito a um julgamento.
Marcos Mariano foi preso pela primeira vez acusado de assassinato. Aconteceu no Cabo de Santo Agostinho, região metropolitana do Recife, em 1976. Marcos contou que, na época, dirigia um táxi. Durante uma parada para o almoço, um homem ferido se apoiou no carro dele, sujando o capô e o vidro de sangue. Esta suposta prova mudou a vida de Marcos Mariano. A família da vítima reforçou a acusação.
“Ninguém poderia me acusar, porque não tinha participação”, disse Marcos Mariano.
Quando foi preso pela primeira vez, Marcos Mariano tinha 28 anos de idade. Era jovem, casado, tinha mulher, filhos e um emprego fixo. Perdeu tudo. A mulher e os filhos nunca mais apareceram.
Seis anos depois, o verdadeiro culpado foi preso e confessou o crime. Marcos ganhou a liberdade e um pedido de desculpas do governo de Pernambuco.
Quando foi libertado, Marcos Mariano tinha 34 anos e a difícil tarefa de recomeçar. Mas a estrada que escolheu o levou direto para a prisão mais uma vez, três anos depois.
Na boleia de um caminhão que dirigia, Marcos foi detido por um policial que o reconheceu e pensou que ele era um foragido. Depois foi preso por ordem do então juiz Aquino de Farias Reis, hoje desembargador aposentado. Procurado pelo Fantástico, o desembargador alegou problemas de saúde e não quis dar entrevista.
Uma nova e inacreditável injustiça. Além da humilhação, Marcos Mariano levou outras sequelas dos tempos de prisão. Teve a saúde comprometida por uma tuberculose e ficou cego durante uma rebelião ao ser atingido por estilhaços de uma bomba de gás lacrimogêneo.
“O estado sabe que errou, o estado sabe que prendeu um cidadão de bem, indevido. Não poderia ter acontecido isso comigo” declarou, à época, Marcos.
A segunda injustiça contra Marcos Mariano só foi descoberta depois de uma revisão nos arquivos do presídio feita pelo então diretor, o major Roberto Galindo.
“O trabalho de polícia é muito difícil, e um erro da nossa parte, tanto da polícia quanto da Justiça, pode ter consequências graves”, avali ao major Robero Galindo, ex-diretor do presídio.
Quando deixou as grades da prisão e reencontrou a liberdade, Marcos estava cego, com tuberculose e desempregado. Aos 50 anos de idade, ele teve que mais uma vez recomeçar a vida.
Ele encontrou apoio na segunda mulher, Dona Lúcia. Os dois se conheceram durante visitas ao presídio. Lúcia acompanhava uma amiga. Eles se casaram e adotaram Leonardo.
Marcos já não podia mais trabalhar e a indenização paga pelo governo de Pernambuco, na época, era de R$ 1,3 mil por mês. “Logo no começo ele ficou muito aperreado, porque a gente não tinha situação financeira”, comenta Dona Lúcia.
Mas continuava a luta por uma reparação. Marcos ganhou uma indenização milionária: R$ 2 milhões. Em 2009, o governo de Pernambuco foi obrigado a pagar a metade desse valor. “A prova para a sociedade, minha família, de que eu nunca fui um criminoso, para mim, foi a minha maior satisfação”, disse Marcos.
Com o dinheiro, Marcos Mariano ajudou os parentes. “Bom filho, era bom filho, porque ele fazia tudo por mim”, diz Severina Nunes da Silva, mãe de Marcos.
“Para os irmãos, ele pegava e dava uns R$ 500 para um ou R$ 1 mil para outro”, conta Dionísio Mariano da Silva, irmão de Marcos.
Na última terça-feira (22), às 15h, o ex-mecânico Marcos Mariano recebeu a notícia que mais esperava. Pelo telefone, ele foi informado pelo advogado que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia negado por unanimidade o recurso do estado de Pernambuco e que ele iria receber a segunda parte da indenização. Ele agradeceu a Deus e veio tirar uma soneca em uma cama, como ele fazia toda tarde. Às 19h, Dona Lúcia veio acordar o marido para o jantar. Foi quando ela percebeu que ele estava morto.
“Não tinha rancor. Ele só entregava tudo a Deus”, lembra Dona Lúcia.
Um dos sonhos dele era ver o filho formado. “Vou me esforçar bastante para poder realizar [os sonhos do pai]”, afirma o filho de Marcos, Leonardo Silvestre Ribeiro.
Foi na casa comprada com parte da indenização que Marcos passou os últimos anos de vida. No atestado de óbito, a causa da morte: infarto. “É como se ele estivesse esperando fechar este ciclo para provar definitivamente que ele era uma pessoa do bem”, observa o advogado José Afonso Bragança Borges.
Do governo de Pernambuco, Marcos recebeu um pedido de desculpas por escrito. O texto classifica as prisões de Marcos como violência inqualificável.
O Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, diz que Marcos Mariano da Silva foi vítima do maior erro judicial da história do Brasil. E diz que Marcos Mariano foi simplesmente esquecido pelo poder público.
“Uma sucessão de erros praticados por pessoas do Judiciário, da polícia, enfim, do sistema penitenciário. Enfim, uma sucessão de erros”, aponta o advogado José Afonso Bragança Borges.
“Ele disse pra mim que estava muito contente que agora ia sair, que a gente ia ter uma vida melhorzinha. Só foi isso que ele disse. Não falou mais nada e foi para a cama deitar”, comentou Dona Lúcia.
A indenização dos herdeiros de Marcos Mariano talvez demore a sair. Um processo será aberto e o governo poderá pagar em 15 anos.
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